quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Efeitos de uma Miopia

Fazia exatamente três semanas que ela havia acabado o namoro. Seus olhos estavam começando a se desinchar quando resolveu ir para a balada. Estava naquela fase em que para aja a consolação à esperança precisa romper toda a sujeira do solo germinar como uma flor selvagem faz. Ela decidiu ir para a balada sem se importar com a balada, pois não queria dançar, pois não queria beber, pois ela queria se divertir, o que ela queria era que a vissem dançar, beber e achassem então que ela estava se divertindo e que as pessoas numa tentativa de também se divertirem se juntassem a ela fazendo com que de fato ela se divertisse.

Foi quando ela estava na pista de dança que o notou. Alto, loiro, cabelo encaracolado, mas acima disso tudo ela notou os óculos. Ele usava óculos na balada! Ela pensou então que se ele usava óculos na balada ele usava óculos fora e se ele usava óculos dentro e fora ele era coerente dentro e fora, ele não usava disfarces ou mascaras ele era o garoto de óculos! E mais, o fato dele usar óculos mostrava que queria ver melhor o mundo, não importava o lugar onde estava ele simplesmente queria enxergar.

Talvez ela tenha ficado olhando para ele tempo demais ou sabe-se lá o que! Mas o fato é que ele se aproximou dela com passos firmes e compridos. Ela então corou, sabia que ele vinha na direção dela, mas então uma garota pulou na frente dele e por um momento ela pensou:

"Fui trocada."

Mas com impetuosidade ele afastou a garota e se aproximou dela dizendo:

"Baladinha ruim não é mesmo?"

Ela olhou a sua volta. Não parecia ruim. Mas também não parecia boa.

"Já fui a melhores."

"Como você se chama?"

"Eu me chamo d' eu as outras pessoas me chamam de você ou pelo meu nome"

Ele riu e ela pensou - legal agora ele já sabe que eu sou nerd!

“E o seu nome é?"

"Letícia e o seu?"

"Victor"

"Por que usa óculos? É míope?"

"Sim não vejo nada sem eles!"

A conversa foi rolando fácil apesar da musica extremamente alta e o casal foi entrando em tão perfeita sintonia que logo ele disse:

“Quer um gole da minha cerveja?"

Ela pegou a latinha levou aos lábios e deu um gole longo. Afastou a latinha da boca e passou a língua nos lábio. Ele pegou a latinha da mão dela e bebeu. Aquela troca, uma perfeita dança, fez com que se constituísse entre eles uma grande intimidade. E ele então tentou beija-la, mas, ela rapidamente desviou o rosto e jogou seu corpo em cima do dele abraçando-o e sussurrando em ouvido.

“Quer me beijar é? Para depois sair e beijar outra?"

"Eu gostei de você Lê. É serio, não quero mais outra”.

Mais uma vez ele tentou beija-la e mais uma vez ela desviou.

"Palavras ao vento Victor. Não quero ser mais uma conquista, mais um beijo na balada.”
“Não vai ser querida, confia em mim”.

Ele então tentou mais uma vez e dessa vez, não encontrou resistência. Como poderia? Ela era a querida e sendo querida como não poderia confiar nele? Como uma querida não confia em seu querido? Ela se entregou como a muito não fazia. O beijo fez com que seu corpo queimasse e assim consegui derreter todas as lagrímas congeladas desde o fim de seu namoro.

Ficaram assim a noite toda. E na hora da despedida ele prometeu ligar e ela prometeu atender. Enquanto ia para casa temia que não ligasse e que se ele não ligasse vida que agora ardia dentro dela se apagasse.

No dia seguinte ele ligou. Quando ele disse que queria marcar um novo encontro o corpo dela pulso em êxtase. E o nirvana se encontrava a cinco passos de sua sala de estar.

Se encontraram então em uma rua deserta, ele a levou pela mão até embaixo de uma árvore e lá começaram a se beijar. Ele beijava seu colo, seu pescoço e ela de leve mordia a orelha dele. E de beijos, mordias e desejos um verdadeiro romance germinou.

Até que um dia ele liga e diz

"Querida tenho uma coisa para te contar, você não vai gostar de saber...”.

“O que?"

"Tenho namorada"

Nesse momento ela sentiu como se um imã sugasse toda sua a vida e no lugar entrasse uma mistura de desilusão e raiva.

"Não se preocupe querida! Isso não vai mudar o que sinto por você e nossa relação vai ser como um namoro só que sem a parte ruim... sem cobranças e muito prazer!"

Ela recuou. Não queria isso. A ideia de ser a outra não lhe agradava. Ser a outra querida não era o suficiente. O que ela sentia era muito grande e que para que aquilo sobrevivesse precisaria ter tudo. Coisa que sendo a outra não seria.

No começo ela tentou manter alguma dignidade, dizia que não o queria, dizia que não seria a outra, mas depois do começo ela se despiu do seu orgulho e de sua roupa.

E foi assim que ela sem querer foi entrando em seu namoro sem namorado. Ela lhe era fiel. Para ela não havia nenhum homem exceto ele, seu querido.

Ele também lhe era fiel, e só seria infiel se fosse contra sua própria falta de caráter, a infidelidade dele para com ela estaria calcada em um amor que poderia sentir pela namorada. Só seria infiel se amasse a namorada e ela fosse apenas um corpo para esquentá-lo em noites frias e não a querida.

E um dia após conversarem sobre o tempo ele acabou falando

“Eu gosto cada dia mais da minha namorada..."

Pronto ai estava à confissão que precisava. Ele a traíra. Ele tivera algum escrúpulo...

Sem aparentes motivos eles nunca mais se viram... Ele ligou, ele implorou, e quando não aguentou mais perguntou:

"Por quê?"

Sua resposta foi o silencio.

Como ela poderia responder a ele que guardando uma parte dele para a namorada ele lhe foi infiel? Como ele entenderia que a infidelidade também pede fidelidade?

Ela chorou e pensou em sua relação... Pensou naquela noite...

“E ele usava óculos!"

Repetia para si mesma... Foi então que entendeu. Com os óculos eles via o mundo da maneira como queria e se protegia do resto. Foi ai que ela viu com os óculos ele não queria ver a realidade, mas distorcê-la. Com aqueles óculos ele adaptava o mundo e via as coisas como ele achava que deveriam ser.

Um comentário:

Unknown disse...

Muito bom... vc se renova e inova a cada post